terça-feira, 17 de junho de 2008

Sócrates e a música...

"A música era outra das facetas do avô de José Sócrates. «O meu pai tocava guitarra com expressão e virtuosismo, o que me incutiu o gosto pela música. Chegámos a formar um conjunto: violino, guitarra, viola, bandolim e flauta, tocando música nos serões de Inverno ou serenatas nas noites quentes de Verão.» Fernando Pinto de Sousa tocava o violino e recorda com prazer esses tempos vividos com os irmãos em Vilar de Maçada. Ainda tentou contagiar José Sócrates com o seu gosto pela música mas a semente não germinou. Sócrates teve aulas de piano no conservatório da Covilhã, dos quatro até aos oito anos. «Era um martírio», recorda o político, «a professora Regina batia-nos nos dedos, mas nunca tive uma grande inclinação para a música. Os meus filhos adoram música. O Zé Miguel toca viola e o mais novo toca bateria.»"

in, MAIO, Eduarda. Sócrates-o menino de ouro do ps

domingo, 24 de fevereiro de 2008

VicVic&GiGi+génioPlutô


Mais um Desconcerto. Pelo Ensino Artístico. Com três génios geniais.
(Cortem as vossas mordaças pretas ao meio e pendurem cada uma em cada orelha)


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

As Heranças e os seus Eleitos

"On comprend mieux pourquoi la simple description des différences sociales et des inégalités scolaires qu'elles fondent n'est pas de simple routine et constitue par soi une mise en question du principle sur lequel repose de système actuel. Le dévoilement du privilège cultural anéantit l'idéologie apologétique qui permet aux classes privilégiées, principales utilisatrices du système d'enseignement, de voir dans leur réssuite la confirmation de dons naturels et personnels: l'idéologie du don reposant avant tout sur la cécité aux inégalités sociales devant l'Ecole et la culture (...). Parce que tout les incline à juger leur propres résultats par référence à l'idéologie charismatique, les étudiants des basses classes tiennent ce qu'ils font pour un simple produit de ce qu'ils sont et le pressentiment obscur de leur destin social ne fait que renforcer les chances de l'échec, selon la logique de la prophétie qui contribue à son propre accomplissement. L'essentialisme implicitement enfermé dans l'idéologie charismatique vient donc redoubler l'action des déterminismes sociaux: du fait qu'il n'est pas perçu comme lié à une certaine situation sociale, par exemple à l'atmosphère intellectuelle du milieu familial, à la structure de la langue que l'on y parle, ou à l'attitude à l'égard de l'Ecole et de la culture qu'il encourage, l'échec scolaire est naturellement imputé au défaut de dons. Ce sont en effect les enfants originaires des basses classes qui sont les victimes désignées et consentantes de ces définitions d'essence dans lesquelles les enseignants maladroits (et peu enclins, on l'a vu, à la relativisation sociologique de leurs jugements) enferment les individus.

Quand une mère d'éleve dit de son fils, et souvent devant lui, qu'«il n'est pas bon en français», elle se fait complice de trois ordres d'influences défavorables: en premier lieu, ignorant que les résultats de son fils sont directement fonction de l'atmosphère culturelle de la famille, elle transforme en destin individuel ce qui n'est que le produit d'une éducation et qui peut encore être corrigé, au moins partiellement, par une action éducative; en second lieu, faute d'information sur les choses d'Ecole, faute parfois d'avoir rien à opposer à l'autorité des maîtres, elle tire d'un simple résultat scolaire des conclusions prématurées et définitives; enfin, en donnant sa sanction à ce type de jugement, elle renforce l'enfant dans le sentiment d'être tel ou tel par nature. Ainsi, l'autorité légitimatrice de l'Ecole peut redoubler les inégalités sociales parce que les classes les plus défavorisées, trop conscientes de leur destin et trop inconscientes des voies par lesquelles il se réalise, contribuent par là à sa réalisation."

(BOURDIEU. P. e PASSERON. J.-C. (1964). Les Héritiers - Les étudiants et la Culture. Pais: Les Éditions de Minuit. pp.116-117. [sublinhados do blogger])

domingo, 17 de fevereiro de 2008

'A Bela e o Monstro'

"La fréquence surprenante de la douleur n'a d'égal que le silence qui pèse sur le problème. Il est hautment significatif qu'aucune étude détaillée n'ait été faite avant les années 80. Auparavant, l'existence de la douleur ne pouvait pas être admise publiquement. La douleur chez les pianistes a toutes les apparences d'une histoire secrète. D'un côté, elle est presque valorisée comme nécessaire au développement de la virtuosité technique. D'un autre, elle est souvent niée à la fois par les enseignants et par les étudiants. Il est important de comprendre les deux aspects de cette histoire paradoxale" (Alford&Szanto, 1995: 58).

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"Leopold Mozart levou o filho de sete anos, assim como a mulher e a filha, na grande viagem pela Europa. A família viajou durante mais de três anos. Onde quer que actuassem, as duas crianças, especialmente o 'garotinho', eram uma sensação. Ele tocava piano como um adulto, fazia todas as habilidades que lhe pediam, por exemplo, tocava com as teclas tapadas ou só com um dedo. Estava permanentemente em estreito contacto com os 'grandes' do mundo. Em Paris e em Londres toda a família foi convidada para ir à corte. Tudo isto era excitante e surpreendente para as crianças, mas, ao mesmo tempo, muito trabalhoso. Em cada localidade, o pai organizava o maior número de apresentações possível para os filhos. E eles rendiam dinheiro" (Elias, 1993:81).

Escreveu o pai de Mozart:

"'E se alguma vez eu soube como o tempo é valioso para a juventude, é agora que eu o sei. Sabeis que os meus filhos estão habituados a trabalhar: se, desculpando-se que um impede o outro de trabalhar, se habituassem a horas ociosas, tudo o que eu construi se desmoronaria; os hábitos são uma camisa de ferro'" (Elias, 1993: 88).

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Nevoeiro e Espaço Público ou a Ausência de Espaço Intermédio

"Como é possivel?
É possivel porque as consciências vivem no nevoeiro.
O que é o nevoeiro?
Ele é a causa da não-inscrição ou esta existe por efeito daquele? É impossível responder a esta questão. Existiria antes uma dupla causalidade recíproca a partir de um trauma «inicial», ele próprio resultado da convergência e da acumulação de muitos pequenos acontecimentos traumáticos que fugiram à inscrição (histórica, social e individual). Qualquer coisa como um Alcácer-Quibir que se recusa a aceitar e de onde nasceu o nevoeiro. Não o da lenda, que é futuro e lugar de epifania, mas uma neblina presente que se apodera do interior da consciência e a rói, sem que ela dê por isso. Um «branco psíquico», ou melhor, uma multiplicidade de brancos psíquicos atravessam a consciência clara, de tal maneira que, sem que ela se aperceba, formam-se as maiores obscuridades e confusões. É o branco psíquico inconsciente esfarelando, fragmentando a consciência em mil bocados, cada um deles, no entanto, plenamente consciente no seu campo próprio.
(...)
Não há espaço público porque este está nas mãos de umas quantas pessoas cujo discurso não faz mais do que alimentar a inércia e o fechamento sobre si próprios da estrutura das relações de força que elas representam. Os lugares, tempos, dispositivos mediáticos e pessoas formam um pequeno sistema estático que trabalha afanosamente para a sua manutenção.
A situação não se apresenta com melhor aspecto noutros sectores da vida pública portuguesa. Apesar das exposições, do seu número e da sua importância, a arte não tem espaço público.
(...)
As pessoas vão às exposições e aos espectáculos, «gostaram» ou «não gostaram», e voltam para casa, quer dizer, para outras preocupações. A crítica sofre idêntico destino: se há efeitos, se há feedback, ficam no fundo dos espíritos, no segredo das almas solitárias.
(...)
A Arte é uma questão privada. Não entra na vida, não transforma as existências individuais. Expõe-se em vitrinas (...).
O espaço público, no sentido em que empregamos esta expressão algo inadequada, não é o lugar da «opinião pública» nem de manifestações colectivas, políticas ou outras. Mais mesmo do que um espaço de comunicação, é um lugar de transformação anónima dos objectos individuais de expressão. É a palavra «público» que não convém: porque esse espaço de transformações contém zonas de sombra, pontos imperceptíveis de ligação de forças, linhas invisíveis que traçam trajectos de energia. Este espaço «público», sendo aberto, não se expõe necessariamente à luz.

A sua característica primeira é a de constituir uma exterioridade, um «fora» para os sujeitos (individuais ou colectivos) que nele penetram. Na sociedade francesa, por exemplo, um escritor publica um livro que entra no espaço público e imediatamente sofre um tratamento múltiplo, as mais das vezes imprevisível, que o transforma. As leituras diferentes ou divergentes de que é objecto, as maneiras como vai de um a outro leitor, de um a outro crítico, como o seu sentido se expande em várias direcções, como o «público» se apodera de alguns dos seus aspectos e negligencia outros, o que ele traz de novo à linguagem (literária e não só), tudo isso ultrapassa em muito o que se costuma chamar a «recepção» de uma obra, e alcançando uma zona transliterária da «vida» forma o conjunto dos efeitos do espaço público sobre um livro - ou, mais geralmente, sobre um objecto de arte, ou sobre uma ideia lançada e apanhada no circuito dinâmico das forças desse espaço.

Aí, o livro ou a obra de arte perde a sua marca de origem, a sua «função-autor» dissolve-se, o objecto ganha um anonimato que faz com que já não pertença a um, mas simultaneamente a todos e a ninguém. Quando é devolvido ao seu autor está irreconhecível, transformou-se consideravelmente. Ganhou poderes insuspeitados, forças desconhecidas atravessam-no. Diz-se então que houve «desnaturação», «desfiguração» etc., ou, pelo contrário, «revelação da sua essência», «descoberta do seu sentido autêntico». Expressões que pressupõem sempre uma essência eterna ou uma «verdade essencial» da obra. Ora desta, o que mostra o espaço público é o seu poder de se transformar, de devir, de se tornar múltipla através de uma infinidade de forças. É essa a sua «verdade essencial» e é o espaço público que a põe à prova e a revela.

Neste sentido, ele constitui o «fora» de um dentro social e psíquico que se arrisca sempre, nas sociedades fechadas a enquistar. Fora absolutamente imprevisível que existe por si (e forma no entanto o fora daquele dentro específico), pensa por si, metaboliza o que lhe vem do interior e reflui intempestivamente sobre este último. Espaço de dessubjectivação: o autor das metamorfoses que a obra sofre não é um sujeito, mas uma espécie de máquina anónima de devires.

Por isso o espaço público torna-se a condição imprescindivel para que o «dentro» respire. Qualquer coisa deve sempre vir de fora, de um fora ilimitado e intensivo, para que o dentro se possa exprimir. (...) A maior gratificação que pode receber um artista é saber que a sua obra entrou no espaço anónimo em que, transformando-se multiplamente, vai fazer nascer outras vozes, outras escritas, outros pensamentos. Ter a felicidade de saber que a sua obra deixou de ser sua, precisamente pelo seu imenso poder de devir-outra.

Vê-se que o espaço público falta cruelmente em Portugal. Quando há diálogo, nunca ou raramente ultrapassa as «opiniões» dos sujeitos bem personalizados (cara, nome, estatuto social) que se criticam mutuamente através das suas crónicas nos jornais respectivos (ou no mesmo jornal). O «debate» é necessariamente «fulanizado», o que significa que a personalidade social dos interlocutores entra como uma mais-valia de sentido e de verdade no seu discurso. É uma espécie de argumento de autoridade invisível que pesa na discussão (...). Mais: a condição de legitimação de um discurso é a sua passagem pelo plano do prestígio mediático - que, longe de dissolver o sujeito, o reforça e o enquista numa imagem «em carne e osso», subjectivando-o como o melhor, o mais competente, o que realmente merece estar no palco do mundo.

A não existência de um espaço anónimo de devir das ideias e das obras retira, além do poder de criação, o dispositivo necessário (a mediação) que dessubjectiva o discurso e impede o choque dos «sujeitos». Se, na maioria dos casos, a crítica, em Portugal, descamba no insulto pessoal, no embate imediato de dois «fulanos» - ou no elogio sobrevalorizante - é por ausência de um terceiro termo que medeie a relação dos dois interlocutores. O elogio desrealizante tem idêntica origem: agora não é o choque que se procura, mas o seu avesso, a osmose admirativa máxima, sem mediação, com o outro - duas vertentes de um mesmo tipo de relação.

Muitas consequências derivam deste funcionamento do espaço (não) público, por ausência do plano anónimo de circulação de forças.
(...)
O espaço público deveria ser aberto, mas fechando-se, limitando-se, permite que o telespectador, o ouvinte e o leitor sejam imadiatamente absorvidos pela sombra branca ou dupla realidade com que se deparam. Por um lado estão ali, o mundo agora, o seu país, a sua cidade ou a sua aldeia, numa abertura virtual de imagens sem fim; por outro é apenas aquilo, com o sentido com que deve ser já pensado, as notícias, os comentáros semanais dos comentadores, os pensamentos que confirmam o meu pensamento antes de o ter, a minha existência reduzida a uma massa pastosa que engole as imagens e nunca treme realmente com o que vê ou com o que lê.

É desta forma que a minha vida se insere na vida do mundo, não se inscrevendo nela. O espaço público, essencial à democracia, foi-me roubado. Roubado pelo sistema partidário, pelo sistema representativo, pelo sistema mediático transcendente. De uma vida nada se inscreve, nela nada sucede por efeito dos «acontecimentos» mundiais ou nacionais que o espaço dos média «reportam» ou «comunicam». É, pois, um acontecimento «para se comunicar» não para eclodir no curso da minha vida. Nada mudou. A sombra branca estende-se e cobre o mundo inteiro que é Portugal."

GIL. José. (2005). Portugal, Hoje - O medo de exisitir. Lisboa: Relógio D'Água Editores. pp.18,19, 26-31, 34,35.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

O Amor pela Música

"Em definitivo, os antigos e os modernos estão de acordo para abandonar, completamente, as possibilidades de salvação cultural aos acasos insondáveis da graça ou, melhor ainda, ao arbítrio dos 'dons'. Como se aqueles que falam de cultura, para si mesmos e para os outros, ou seja, os homens cultos, só pudessem pensar a salvação cultural segundo a lógica da predestinação; como se, por terem sido adquiridas, suas virtudes se encontrassem desvalorizadas; como se toda a sua representação da cultura tivesse a finalidade de autorizá-los a convencer-se de que, segundo a expressão de um idoso bastante culto, 'a educação é algo de inato'" (Bourdieu & Darbel, 2003 [1969]: 20, 21).


"A consagração cultural submete os objectos, pessoas e situações que ela toca a uma espécie de promoção ontológica que se assemelha a uma transubstanciação. [...]
Se nada existe, por exemplo, que permita, tanto quanto os gostos no campo da música, afirmar sua 'classe', nada pelo qual alguém possa ser infalivelmente classificado, é porque, evidentemente, não existe prática para determinar melhor a classe, pelo facto da raridade das condições de aquisição das disposições correspondentes, do que a frequência do concerto ou a prática de um instrumento de música 'nobre' [...]. Mas é também porque a exibição de 'cultura musical' não é uma ostentação cultural como as outras: em sua definição social, a 'cultura musical' é algo diferente de uma simples soma de saberes e experiências, acompanhada pela aptidão para discorrer a seu propósito. A música é a mais espiritualista das artes do espírito; além disso, o amor pela música é uma garantia de 'espiritualidade'. [...] Ser 'insensível à música' representa, sem dúvida - para um mundo burguês que pensa sua relação com o povo a partir do modelo das relações entre a alma e o corpo - uma forma especialmente inconfessável de materialismo grosseiro. Mas não é tudo. A música é a arte 'pura' por excelência: ela nada diz, nem tem nada para dizer" (Bourdieu, 2007 [1979]: 14, 23, 24).