"Em definitivo, os antigos e os modernos estão de acordo para abandonar, completamente, as possibilidades de salvação cultural aos acasos insondáveis da graça ou, melhor ainda, ao arbítrio dos 'dons'. Como se aqueles que falam de cultura, para si mesmos e para os outros, ou seja, os homens cultos, só pudessem pensar a salvação cultural segundo a lógica da predestinação; como se, por terem sido adquiridas, suas virtudes se encontrassem desvalorizadas; como se toda a sua representação da cultura tivesse a finalidade de autorizá-los a convencer-se de que, segundo a expressão de um idoso bastante culto, 'a educação é algo de inato'" (Bourdieu & Darbel, 2003 [1969]: 20, 21).
"A consagração cultural submete os objectos, pessoas e situações que ela toca a uma espécie de promoção ontológica que se assemelha a uma transubstanciação. [...]
Se nada existe, por exemplo, que permita, tanto quanto os gostos no campo da música, afirmar sua 'classe', nada pelo qual alguém possa ser infalivelmente classificado, é porque, evidentemente, não existe prática para determinar melhor a classe, pelo facto da raridade das condições de aquisição das disposições correspondentes, do que a frequência do concerto ou a prática de um instrumento de música 'nobre' [...]. Mas é também porque a exibição de 'cultura musical' não é uma ostentação cultural como as outras: em sua definição social, a 'cultura musical' é algo diferente de uma simples soma de saberes e experiências, acompanhada pela aptidão para discorrer a seu propósito. A música é a mais espiritualista das artes do espírito; além disso, o amor pela música é uma garantia de 'espiritualidade'. [...] Ser 'insensível à música' representa, sem dúvida - para um mundo burguês que pensa sua relação com o povo a partir do modelo das relações entre a alma e o corpo - uma forma especialmente inconfessável de materialismo grosseiro. Mas não é tudo. A música é a arte 'pura' por excelência: ela nada diz, nem tem nada para dizer" (Bourdieu, 2007 [1979]: 14, 23, 24).
Se nada existe, por exemplo, que permita, tanto quanto os gostos no campo da música, afirmar sua 'classe', nada pelo qual alguém possa ser infalivelmente classificado, é porque, evidentemente, não existe prática para determinar melhor a classe, pelo facto da raridade das condições de aquisição das disposições correspondentes, do que a frequência do concerto ou a prática de um instrumento de música 'nobre' [...]. Mas é também porque a exibição de 'cultura musical' não é uma ostentação cultural como as outras: em sua definição social, a 'cultura musical' é algo diferente de uma simples soma de saberes e experiências, acompanhada pela aptidão para discorrer a seu propósito. A música é a mais espiritualista das artes do espírito; além disso, o amor pela música é uma garantia de 'espiritualidade'. [...] Ser 'insensível à música' representa, sem dúvida - para um mundo burguês que pensa sua relação com o povo a partir do modelo das relações entre a alma e o corpo - uma forma especialmente inconfessável de materialismo grosseiro. Mas não é tudo. A música é a arte 'pura' por excelência: ela nada diz, nem tem nada para dizer" (Bourdieu, 2007 [1979]: 14, 23, 24).
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